Por FREDERICO AUAD
Nos últimos anos, tenho acompanhado de perto uma tendência que tem chamado a atenção de advogados e advogadas por todo o país: o aumento expressivo no número de processos ético-disciplinares instaurados pelos Tribunais de Ética e Disciplina (TEDs) da OAB. Embora ainda não exista um levantamento consolidado com abrangência nacional, os dados divulgados pelas seccionais deixam claro que o movimento é real — e merece reflexão.
Muitos podem interpretar esse aumento como sinal de deterioração da conduta profissional. Mas a realidade, a meu ver, é mais complexa — e até positiva. A intensificação da fiscalização ética reflete, em grande parte, um processo de amadurecimento institucional e de fortalecimento da cultura da responsabilidade na advocacia.
Como advogado com atuação especializada em processos disciplinares na OAB, posso afirmar: na maioria dos casos, as representações não decorrem de má-fé, mas de falhas na comunicação com o cliente, ausência de prestação de contas ou, em casos mais graves, do abandono de causas. Infrações como essas, tipificadas no art. 34 do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), infelizmente ainda são comuns — mas evitáveis.
Outro ponto sensível tem sido o uso das redes sociais. O Provimento nº 205/2021 do Conselho Federal da OAB autorizou a presença digital da advocacia, mas dentro de balizas éticas claras. Mesmo assim, vemos crescer o número de representações motivadas por práticas de mercantilização, como promessas de resultado, publicidade ostensiva, divulgação de honorários e captação indevida de clientela.
É natural que a OAB reaja com mais rigor diante dessas situações. A publicidade profissional deve ser exercida com discrição e sobriedade. A fronteira entre informar e mercantilizar é, sim, tênue — mas existe. Ultraá-la pode comprometer a dignidade da profissão e descredibilizar toda a classe perante a sociedade.
Acredito que o aumento no número de processos também revela algo importante: a população está mais consciente de seus direitos. Há maior o aos canais de representação e mais confiança de que as queixas serão analisadas com seriedade. Isso é um avanço. Afinal, um cidadão que denuncia falhas éticas de seu advogado não está atacando a advocacia — está colaborando para seu aprimoramento.
O papel pedagógico dos TEDs é essencial nesse processo. Mais do que punir, os tribunais orientam. Mas, quando necessário, aplicam sanções proporcionais à gravidade da conduta — da censura à exclusão dos quadros da OAB. É a aplicação prática do princípio da ética como pilar estruturante da nossa profissão.
A OAB tem, sim, o dever de proteger a sociedade. Mas tem, igualmente, o compromisso de defender uma advocacia forte, respeitada e valorizada. Fiscalizar com rigor é um caminho para isso. Como profissionais do Direito, sabemos que nossa atuação deve se pautar por retidão e transparência. Ética não é um ório do exercício da advocacia. É sua essência.
Aguardamos, agora, que o Conselho Federal da OAB consolide os dados nacionais e os torne públicos. Essa medida trará mais clareza ao debate e permitirá um diagnóstico mais preciso das fragilidades que ainda persistem. Mais do que números, precisamos de políticas institucionais que invistam na formação ética desde o início da carreira, e que incentivem a prevenção — e não apenas a repressão — das condutas irregulares.
A advocacia muda. A sociedade também. Cabe a nós acompanharmos essas transformações com consciência crítica e responsabilidade. Cumprir as regras não deve ser um fardo, mas uma escolha de quem entende que ser advogado é, acima de tudo, um compromisso com a Justiça, com a verdade e com a confiança que a sociedade deposita em nós.
*Frederico Auad é advogado, especialista em processo ético disciplinar da OAB.